Feijó, 26 de Outubro de 2006
Uma carta para o outro.
(Será que,
tudo o que sinto tu sentes?)
Não sou uma Florbela Espanca com o seu à vontade para o desabafo à primeira pessoa, nem me considero uma Dona Alexandra com a sua timidez, que faz com que os familiares evitem vê-la com o medo da recusa. Mas gosto de sentir que tenho um pouco de controlo, aliás agora sinto-o.
(Será que,
neste momento estás a olhar para a mesma estrela que eu?)
Ontem quando ia a caminhar pela beira-rio dos sentidos percebi o meu egocentrismo, finalmente descobri-o, e foi bom o encontro, até porque, consegui compreender a razão da minha emoção.
Sempre achei que te tinha encontrado num meio duma galeria de arte, com uma banda sonora poderosa de fundo. Naquela da amizade, sabes? Achava que estava a olhar para um quadro, a deliciar-me com a técnica principalmente com a escolha de cores por parte do pintor, depois o traço suave sem que se percebesse que por baixo da tinta tinha sido apagado e refeito várias vezes. E o erro ao lado do olhar mostrava um pouco de falta de gosto, mas só aí. Depois claro, apeteceu-me trazer-te para casa, e consegui.
(Com uma genialidade, … como eu gosto de génios, aqueles loucos que mostram falta de cérebro mas no fundo são mais do que os espertos que por aí andam. E o cigarro? O cigarro numa mão como sinal de poder e o livro na outra! E lá estavas tu a confessar poemas com uma colocação formidável sem que o professor te repreendesse. Aquele fascínio...)
Isto faz-me lembrar aquele filme em que o protagonista para seduzir a vizinha gravava uma cassete com uma declaração de amor, mas ela não achou piada, óbvio, era banal. Mas o irmão do amigo do sobrinho do tio do primo do vizinho do protagonista sussurrou-lhe ao ouvido excertos d’Os Lusíadas e a tal vizinha, adivinhem? O que aconteceu? Amor, paixão, loucura, e no final muito mas muito prazer, isto é, um amor eterno. Lindo.
(Todos temos dentro de nós um pouco de loucura e quem disser o contrário mente!)
Este meu poder de dispersão irrita-me, é que as ideias sucedessem-se e isto fica sem coerência, mas quem quer coerência? Se nem os poderosos têm, quanto mais os loucos.
Queria escrever um livro e hei-de escrevê-lo! Nem que seja para o guardar ao lado da cama para quando quiser ler algum, pegar nele.
Toda a gente tem medo das palavras, e eu sei porquê… Sei porque já passei por isso, e o mal (aí o mal) é as pessoas não se compreenderem umas às outras, porque se as pessoas se compreendessem… Aí! Mas aí era o final dos loucos, porque toda a gente os ia compreender e a piada está na falta de sentido. Ridículo.
Fascinante.
Deixei aqueles problemas da falta de “percebimento” para outros voos, percebi que a minha vida não é andar preocupada em perceber o outro ou o outro amigo do outro colega do outro. E que tal, aquela situação dificílima que se chama Dia-a-Dia? Sim é uma coisa horrível uma pessoa viver o Dia-a-Dia, e mais horrível é quando aparece alguém que tem na testa escrito: R-O-T-I-N-A! Detestável.
Por falar em detestável, detestei um único homem na vida e esse, sim, metia nojo. Mas não me lembro dele, o que é engraçado. Mas devia meter nojo, para eu o detestar. Ora… Loucos.
As pessoas ainda não se aperceberam do original e banal que há, ainda não.
Se calhar até pensam que são sinónimos.
Para finalizar a carta.
Arrependimentos?
Alguns.
E há um que me arrependo e muito, que foi não te ter perguntado uma coisa. Mas, mais vale tarde do que nunca,
Vai um abraço?